Selecione o idioma

Portuguese

Down Icon

Selecione o país

Portugal

Down Icon

Deves tratar esse estrangeiro e amá-lo como um dos teus, pois também vocês foram estrangeiros no Egipto!

Deves tratar esse estrangeiro e amá-lo como um dos teus, pois também vocês foram estrangeiros no Egipto!

No Antigo Testamento, a hospitalidade era uma prática fundamental, muitas vezes associada a deveres sagrados e a um forte sentido de justiça e protecção ao estrangeiro. No Deuteronómio (10:17-19), a divindade é definida como «um Deus que não faz distinção entre pessoas nem se deixa comprar com presentes […] é amigo do estrangeiro, dando-lhe alimento e roupa para vestir. Por isso, sejam amigos dos estrangeiros, porque vocês também já foram estrangeiros no Egipto.» (Uso neste texto a tradução da Difusora Bíblica, de 1995.)

No Levítico (19:33-34), volta-se à mesma ideia: «Não oprimas os estrangeiros que vierem residir na tua terra. Deves tratar esse estrangeiro e amá-lo como um dos teus, pois também vocês foram estrangeiros no Egipto!» Neste caso, além da insistência na experiência directa ou indirecta (lembra-te que também tu ou os teus antepassados já passaram por isso), há ainda uma ressonância neotestamentária: o estrangeiro não deve ser somente bem tratado, deve ser amado.

É verdade que em muitos livros bíblicos a violência está muito presente, mas não é demagogia afirmar que os ditames ontológicos relativamente ao Outro são claros e atravessam vários textos. São uma conduta que não precisa de mais interpretação do que uma leitura literal ou perto disso.

Esta forma de ver a hospitalidade, que ainda hoje se reconhece em muitas culturas e comunidades, não se restringe nem restringia ao Pentateuco/Torá. Xenia (ξενία) é um conceito central na Odisseia de Homero e refere-se à hospitalidade sagrada ou hospitalidade ritual (étimo que usamos em palavras como «xenofilia» ou «xenofobia», para dar dois exemplos contrastantes). Xenia era uma norma moral e religiosa da Grécia Antiga que regulava o comportamento entre anfitriões e hóspedes ou estrangeiros. Na Odisseia, é apresentada como um dos pilares da civilização grega e um critério claro para julgar o carácter das personagens (humanas ou não). Tanto os deuses como os mortais esperavam que se tratasse bem um forasteiro, oferecendo-lhe comida, banho, abrigo e presentes antes mesmo de perguntar o seu nome ou origem (comportamento que encontramos em vários episódios bíblicos).

Pelo contrário, a violação destas regras éticas elementares era típico exemplo de barbárie: na Odisseia, o ciclope Polifemo devorava os seus hóspedes. Em vez de os alimentar, devora-os. Acho que mesmo o leitor mais literal não terá dificuldade em interpretar este episódio e encontrar reflexos políticos e sociais: não é o estrangeiro que devora o ciclope, é o oposto (já agora, através de actos perpetrados por um gigante com uma visão única, simbolizada por um só olho). Mas se for necessário um trecho sem qualquer ambiguidade, volto a este: «Não oprimas os estrangeiros que vierem residir na tua terra. Deves tratar esse estrangeiro e amá-lo como um dos teus, pois também vocês foram estrangeiros no Egipto!»

Escreve quinzenalmente no SAPO, à quarta-feira//Afonso Cruz escreve com o antigo acordo ortográfico

sapo

sapo

Notícias semelhantes

Todas as notícias
Animated ArrowAnimated ArrowAnimated Arrow