Staff do BCE acusa Lagarde de práticas antidemocráticas e agir como um miniestado

A liderança do Banco Central Europeu (BCE) está a ser acusada pelos trabalhadores de promover uma cultura de impunidade marcada por nepotismo, pressões sobre o staff e as suas conclusões técnicas e um enquadramento legal que torna a instituição num “miniestado” de facto – tudo opções que minam o que Christine Lagarde recentemente descreveu como uma das “vantagens competitivas críticas” da instituição e da UE.
Numa carta dirigida aos governadores do BCE a que o Jornal Económico teve acesso, o comité do staff do banco argumenta que os princípios do Estado de direito, que a presidente do banco e outras altas figuras elogiaram recentemente como um fator diferenciador, estão a ser atropelados por uma cultura antidemocrática que transforma a instituição numa “fortaleza legal impenetrável”.
Em particular, o enquadramento jurídico do banco central e “natureza extraterritorial” permitem “distorcer a aplicação do princípio da separação de poderes”, um dos pontos fulcrais neste desentendimento entre trabalhadores e liderança do BCE.
Este é mais um capítulo nas tensões entre staff e governadores, isto depois de a instituição ter proposto que os representantes dos trabalhadores, eleitos por votação, dediquem parte do seu horário a funções técnicas – isto apesar de a lei laboral alemã permitir que estes aloquem todo o seu tempo à defesa dos direitos dos trabalhadores.
Sendo uma instituição supranacional, a lei alemã não se aplica ao BCE, deixando o banco agir numa zona legal pouco definida.
“Externamente, o BCE está colocado numa situação de enorme margem de discrição na definição do seu próprio mandato. […] Na prática, vemos uma situação em que o BCE consegue imiscuir-se no domínio político, emitindo instruções a governos eleitos que vão para lá do domínio da política monetária ou tomando decisões que muitos observadores dizem ser de natureza política”, lê-se no documento.
Mas a situação interna é ainda pior, acusam os trabalhadores. A indefinição legal da relação laboral com o banco deixa o staff “numa situação de extrema dependência do poder no cargo, o que ameaça a capacidade dos técnicos de expressarem independentemente as suas visões de especialista”.
“Este desequilíbrio de poder está a gerar problemas substanciais relacionados com a inexistência de pesos e contrapesos, tal como as suspeitas generalizadas de favoritismo nas contratações e promoções, o abuso de contratos precários ou os elevados níveis de burnout e suicídio mostram”, ilustra a carta.
A situação não é nova, verificando-se há uma série de anos e abrangendo várias lideranças, mas “este Conselho Executivo tem tomado uma postura muito mais antidemocrática do que anteriores”.
Estas acusações marcam nova página nos desentendimentos no seio do BCE, onde o ambiente aparenta vir a deteriorar-se há anos. Uma sondagem do IPSO, um dos sindicatos que representa os trabalhadores do BCE, concluiu em maio que 77% dos técnicos do banco acreditam que “conhecer a pessoa certa” é o principal veículo para uma promoção, enquanto apenas 34% afirmam ser um reflexo da performance pessoal. O inquérito abrangeu 1.425 dos cerca de 5 mil trabalhadores do banco, com mais de metade a dizer ter pouca ou nenhuma confiança no trabalho de Lagarde e do Conselho Executivo.
Comparando com 2015, quando 39% do staff discordava da noção de que o BCE estaria a fazer o melhor possível para promover os trabalhadores mais competentes, este número quase duplicou para 72%.
jornaleconomico