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O lago dos patos

O lago dos patos

Com a comoção eleitoral que se viveu em Maio, entre o resultado histórico do Chega e o resultado histórico do PS, passou despercebido um novo capítulo da gloriosa epopeia fluvial portuguesa. Ao contrário da epopeia marítima, a epopeia fluvial não se cobre de glória. Merecia, provavelmente, um cronista que redigisse a História Cómico-Fluvial. Desta feita, revelou-se que os célebres barcos eléctricos encomendados para fazer a travessia do Tejo, afinal são mais apropriados para navegar em lagos. As condições do estuário, com marés e ondulação, não são propícias para estes cacilheiros de água doce. Isto que a Transtejo fez é como se a TAP comprasse aviões que não podem atravessar nuvens.

É estranho. Há 500 anos, tínhamos naus que faziam 11 mil km até ao Japão. Agora, é com muita dificuldade que fazemos 11 km até ao Barreiro. As diferenças de perspectiva são um fenómenos fascinante: tanto fazemos do Atlântico um charco, como tornamos o Mar da Palha um oceano.

Repetindo o que já fiz quando aqui relatei o caso dos navios pela segunda, terceira e quarta vez, julgo que é importante recordarmos alguns dos acontecimentos mais marcantes desta gesta.

Em Outubro de 2020, o então Ministro do Ambiente Matos Fernandes anunciou que Portugal ia estar na linha da frente da transição energética com a encomenda de barcos eléctricos para fazerem a travessia do Tejo. Em Março de 2023, o Tribunal de Contas considerou o negócio irracional, porque os barcos tinham sido adquiridos sem as baterias e obrigou a Transtejo a fazer novo concurso para as comprar, o que acabou por encarecer o negócio. No mesmo mês, soube-se que o primeiro navio a chegar vinha com estragos . Já em 2024, a notícia era a dificuldade em licenciar as estações de carregamento e ligá-las à rede eléctrica, o que fez com que as baterias fossem carregadas com geradores a gasóleo. É curioso que um país que dobrou o Cabo Bojador, o Cabo das Agulhas ou o Cabo da Boa Esperança, veja os seus navios parados pelo cabo de alimentação.

Agora percebe-se que, para além disto tudo, os barcos não foram feitos para estas águas. Ou seja, mesmo quando houver baterias, cais de carregamento licenciados e ligação à rede eléctrica, os barcos não vão ter grande serventia.

É uma pena, porque são embarcações muito bonitas e amigas do ambiente. Basta consultar a página da Transtejo, que não consegue esconder o entusiasmo com o que significa esta mudança. Segundo a empresa, “o plano de renovação da frota Transtejo é uma decisão de um alcance estratégico inquestionável para toda a Área Metropolitana de Lisboa”. E o termo é mesmo esse: “inquestionável”, porque vê-se que, antes de avançar, ninguém fez a pergunta básica: “Estes barcos dão para aqui?”

No entanto, até ao dia de hoje, o sucesso da passagem da frota para 100% eléctrica ainda não é total. De acordo com Transtejo, nem todos os principais objetivos ainda não foram cumpridos:

1) Eliminar a emissão de C02 no Transporte Público – até agora não foi conseguido: com a supressão de viagens, os passageiros ficam no cais a bufar, um tipo de respiração que emite muito mais dióxido de carbono;

2) Incrementar significativamente a qualidade do serviço prestado nas ligações fluviais de Cacilhas, Montijo e Seixal – aqui julgo que há um erro ortográfico: escreveram “incrementar” em vez de “excrementar”;

3) Melhorar a experiência da viagem fluvial – este objectivo foi alcançado com mestria: como é que se melhora o que não existe? Continuando a não existir, mas pagando mais caro;

4) Elevar os atuais padrões de comodidade, conforto e segurança – objectivo cumprido a 50%: estar horas em pé à espera do cacilheiro não é confortável, mas é muito mais seguro. Impossível naufragar;

5) Reduzir os atuais custos de manutenção – este objectivo foi ultrapassado. Se os barcos não navegam, não se gastam. Logo não necessitam de manutenção.

Onde a Transtejo marca pontos é na comunicação e imagem. Para mostrar a sustentabilidade da nova frota e a sua ligação à natureza, cada barco foi crismado com nomes de aves autóctones. Temos a cegonha, a garça, o flamingo e o íbis, entre outras. Porém, conspícua pela sua ausência, está a ave que, nestes casos de prodigalidade com dinheiros públicos, assume sempre o maior destaque: o pato. O que não se entende, pois é quase símbolo nacional. Pelos últimos censos, há cerca de 10 milhões no país.

Há uma segunda ave que também merecia honras de baptismo, devido à motivação de todos os que, pela sua vontade de parecer bem, contribuíram para esta medida: o pavão. Ou, em alternativa, por agora estarem à assobiar para o ar como se não fosse nada com eles, o canário.

Este caso tem o potencial de ser o maior escândalo financeiro em Portugal com barcos eléctricos. Ou, quando o primeiro navio naufragar por causa de uma ondinha mais forte, o segundo maior escândalo financeiro em Portugal com submarinos.

observador

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