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Não foi por falta de aviso

Não foi por falta de aviso

Os resultados eleitorais de há uma semana não foram uma surpresa. Praticamente toda a Europa e também os EUA experimentaram o mesmo fenómeno. A excepção portuguesa nunca existiu. Nem na monarquia liberal nem na primeira república, durante o Estado Novo e menos ainda agora. Somos um país europeu aberto ao exterior. O que sucede lá fora acaba por acontecer aqui. Qualquer análise dos últimos resultados eleitorais implica reconhecer que só os distraídos podem ter sido surpreendidos.

O Chega está aí para ocupar o lugar do PS. Várias vezes avisei para este facto com textos no Observador e no Contra-Corrente, com a Helena Matos e o José Manuel Fernandes. Dos textos destaco este, de Junho de 2021, em que coloco a hipótese de o PS, à semelhança do que o PS francês fez com a sua sede na rua Solférino, em Paris, ser forçado a vender a sua no Largo do Rato. Parece impensável e impossível, mas já esteve mais longe de acontecer. O Chega cresceu em 2024 à custa do PS e da abstenção. Em 2025 foi só mesmo a expensas do PS. Por alguma razão, o partido de Ventura venceu onde a esquerda dominava. Esses eleitores não deixaram de ser de socialistas e passaram a ser de extrema-direita. Só querem quem lhes garanta protecção social. São pessoas que consideram que a maior ameaça aos seus direitos sociais é a imigração. Pessoas a quem o PS disse que não, que que estavam enganadas. Essas pessoas fizeram o que era de esperar: votaram em quem lhes dizia que a imigração era maior ameaça aos seus direitos sociais. Foi por isso que deixaram de votar no PS e passaram a votar no Chega. Fizeram em 2025 e vão continuar a fazê-lo, pois de ora em diante vai ser muito difícil ao PS dar a volta. Pode acontecer, mas se suceder será por sorte. A tendência foi determinada há muito.

Ditada quando o PS não foi capaz de escrutinar José Sócrates nem suster a sua acção. Acentuou-se quando António Costa fintou a derrota e se tornou Primeiro-Ministro. Dir-me-ão que são águas passadas. E são. Mas deixaram marcas. Foi nessa altura que a direita se tornou anti-sistema. A tendência de queda do PS pronunciou-se nos 8 anos em que Costa nada fez que não fosse empurrar os problemas com a barriga. Não fez nada, mas anunciou tudo e mais alguma coisa. Foram os tempos da festa e da farra em que se dizia a alta voz que o país era fantástico, que não havia problemas, que o povo vivia feliz e se anunciavam medidas que não se implementavam. Foi o tempo do faz de conta. O tempo em que o PS se ria deixou mossa nas pessoas, muitas delas eleitores do PS.

Os socialistas acusam agora Pedro Nuno Santos. Um pobre diabo que não passa de alguém que cresceu convencido que era fantástico. Como nunca ninguém lhe disse o contrário entrou na liderança do PS com a certeza que faria a diferença só por ser quem era. Pior: quando o alertaram para não ser arrogante, fez o que os arrogantes fazem: fez de conta que não era. Disfarçou-se, convicto que ninguém notava que era uma máscara. A tragédia de Pedro Nuno Santos é a de todos os que crescem mimados e não lhes dizem que o mundo cá fora não é igual ao mundo lá em casa.

Dir-me-ão que o Chega não tem quadros. É verdade. Mas isso é agora. Mais tarde terá. Os que estão no Estado com o PS facilmente passarão para o Chega e tornar-se-ão quadros do Chega quando o partido de Ventura der a estocada final no PS. A vida continua e o que as pessoas disseram ontem, por muito inflamadas e indignadas que estejam com o discurso populista de Ventura, negarão amanhã. Não foi só Pedro quem negou Cristo três vezes. Está na natureza humana fazê-lo uma, duas, três, as vezes que forem necessárias. Não há nada de novo nisto.

O Chega não é um partido de extrema-direita. Não é, não foi e dificilmente será. O Chega é um partido de direita populista. Esta distinção é importante porque, ao contrário do que muitos crêem, não estamos a viver o regresso ao período dos anos 20 e 30 do século XX. Se há período histórico que sirva de comparação para o que estamos a experimentar é o último quartel do século XIX. Nessa altura ocorreu uma grande transformação tecnológica que teve fortes repercussões na vidas das pessoas. A lâmpada foi comercializada em 1879 e na década seguinte a energia eléctrica conseguiu percorrer longas distâncias. O telefone surgiu na mesma época. Os barcos a vapor passaram a cruzar o Atlântico em grande escala. O desenvolvimento foi extremamente positivo, mas as consequências imediatas na vida das pessoas foram assustadoras. A migração atingiu níveis desconhecidos. As pessoas saíram do campo e foram para as cidades. No meio de uma massa de gente anónima, os seres humanos sozinhos sentiram-se desamparados. Sem chão.

O nacionalismo, sentimento que Napoleão acendeu e espalhou pela Europa, foi o cimento que uniu a tradição partida. A democracia alargou-se e os cidadãos passaram a ouvir e a votar em políticos populistas que prometiam uma ligação. William Jennings Bryan, que tinha 19 anos quando Edison permitiu que a lâmpada fosse vendida em grande escala, foi duas vezes candidato às presidenciais dos EUA, em 1896 e 1900, com um discurso populista. Tantos nos EUA como na Europa, presidentes, chefes de governo, reis e imperadores foram mortos a tiro ou à bomba. O medo grassava, mas não foi a causa da Grande Guerra em 1914 nem da Segunda Guerra Mundial em 1939. Aqueles políticos não eram de extrema-direita. Não eram fascistas. Eram simples populistas. Não tinham o suporte ideológico que conduziu à extrema-direita, ao fascismo e ao nazismo.

Da mesma forma, o Chega não é fascista. Não tem qualquer sustentáculo ideológico, menos ainda filosófico que apoie essa pretensão. É simplesmente um partido populista dirigido por oportunistas que farejam muito bem os ares do tempo. É só isso. Nada mais que isso. Qualquer tentativa de combater politicamente o Chega sem perceber esta realidade, não o diminui, apenas o faz crescer ainda mais.

A subida do Chega não me choca. Da mesma maneira não me assusta que, eventualmente, substitua o PS. Os dois são partidos estatistas. Ventura é um demagogo que faz o que promete (e leva o estado à bancarrota) ou trai quem nele votou e é incluído no sistema. Para evitar que Ventura se decida por uma das duas possibilidades, cabe aos defensores da democracia liberal apresentarem e implementarem soluções para os problemas reais dos cidadãos. Não vai ser fácil. E a razão principal porque não vai ser fácil é que assistimos a uma transformação radical no mundo que pode conduzir ao fim da supremacia ocidental. Apesar do crescimento da China, os sustentáculos do Ocidente ainda são o uso internacional da língua inglesa, o dólar ser a moeda de troca e reserva mundial e os pressupostos filosófico e civilizacionais do ocidente ainda servirem de referência para o que denominamos por estado de direito. No entanto, tudo isto pode mudar se o declínio tecnológico, os ataques ao estado de direito e à independência dos Bancos Centrais (como Trump faz ao FED) infligirem estragos irreparáveis no sistema.

São tempos complicados. Mas que, em Portugal, podíamos ter antecipado, como tive oportunidade de alertar neste, neste, neste, neste, neste, neste, neste, e neste texto no Observador. Não se tratou de adivinhação. Foi mera observação objectiva do que se passava lá fora. O Chega ficar a par ou até ultrapassar o PS não é algo inesperado. De modo que, e por favor, não se façam de surpreendidos quando a bomba que seguramos há muito nos explode nas mãos.

observador

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