A perda de controlo

Há um conceito que está latente em quase todas as análises, no subtexto de muitos artigos, e em muitas conversas nos meios da elite de Lisboa por estes dias: a perda de controlo. Nunca é abordado directamente, claro, mas é possível ouvir o desespero e, em muitos casos, a total incompreensão perante o que está a acontecer. Pela primeira vez desde o PREC, a elite dominante percebeu que perdeu completamente o controlo à situação e se, desta vez, apesar de tudo, foi possível mitigar os danos, com um governo liderado por Montenegro com o apoio tácito de um PS muito fragilizado, nada garante que da próxima vez não seja diferente. Os receios de que Ventura chegue ao poder são agora reais. Em todo o lado pergunta-se: Como chegámos aqui? Como e quando é que perdemos o controlo da situação e da narrativa? Quando é que aquilo que o Expresso e os seus escribas PMIs (pequenos e médio intelectuais) escrevem em letra de forma deixou de ser a verdade revelada em Portugal?
Há uma parte de mim que, apesar de ser abertamente hostil ao Chega, às suas posições e ao seu estilo de fazer política, está genuinamente feliz pela perda de controlo por parte de uma elite rentista, medíocre e francamente impreparada do ponto de vista intelectual. O motivo para esta satisfação é simples. Na literatura de ciência política aprendemos que os agentes políticos apenas corrigem as suas acções e se tornam mais responsivos às necessidades da população perante a incerteza da reeleição e a possibilidade real de serem apeados do poder pelos cidadãos. Do ponto de vista retórico, é evidente que os políticos estão atentos às necessidades da população e têm as suas preocupações como ponto cardial da acção política. No entanto, o mecanismo chave da accountability é, sem dúvida, o perigo de serem corridos do poder.
Um exemplo paradigmático da perda de poder e do abismo como mecanismo para mudar de rumo é o Partido Socialista. Agora, depois de uma catástrofe eleitoral, o partido decidiu fazer uma reflexão que, estranhamente, nunca existiu em 2014, depois da prisão de um líder emblemático que havia socializado politicamente uma parte da elite que, mais tarde, esteve com Costa na Geringonça.
No entanto, apesar de tudo, continua a existir uma bela parte da nossa elite que conserva a certeza de que o Chega nunca chegará ao poder e que, portanto, no fundo, não é necessário mudar coisa nenhuma. O argumentário que sustenta este raciocínio baseia-se em duas premissas. Em primeiro lugar, o eleitor médio não reconhece credibilidade suficiente ao Chega para confiar ao partido as chaves de São Bento. Diferentemente, continua o mesmo raciocínio, PSD e PS continuam a ser percepcionados como altamente credíveis e, logo, os únicos partidos passíveis de ganhar as eleições. Em segundo lugar, e por extensão do primeiro argumento, o Chega nunca obterá um número suficiente de votos para ganhar as eleições e formar um governo. Estes dois argumentos estão completamente errados.
Em primeiro lugar, é verdade que há uma bela parte do eleitorado que considera que o Chega não tem credibilidade para lidar o governo. Concordo. No entanto, alas, existe também uma parte significativa do eleitorado, cada vez maior, de resto, que também não considera que PS e PSD tenham qualquer credibilidade. No fundo, se pensarmos nos partidos como uma empresa com uma marca, tal como nos ensina a teoria da firma, PS e PSD estão com um produto esgotado, com uma quota de mercado cada vez menor, com dificuldades em encontrar novos consumidores e com uma marca cujo valor histórico acumulado tem cada vez menos valor intrínseco e extrínseco. Se fossem uma empresa falida que apenas vende a sua marca registada, PS e PSD receberiam hoje ofertas muito menos generosas do mercado do que há dez ou vinte anos atrás.
Em segundo lugar, sobre a questão da dificuldade de lograr o número absoluto de votos para ganhar as eleições, convém perceber que no equilíbrio de sistema de competição eleitoral tripartido para o qual o sistema partidário está a convergir, diferentemente do passado, quando era necessário ter no mínimo 35 por cento para ficar em primeiro, é possível ganhar as eleições e ficar em primeiro lugar com menos de 30 por cento dos votos. Visto sob este ângulo, o Chega precisa de crescer qualquer coisa como cinco ou seis pontos percentuais para conseguir ficar em primeiro nas eleições. Nas próximas eleições, uma combinação de penalização do incumbente, o aumento de abstenção nos partidos grandes, juntamente com um aumento da mobilização eleitoral do Chega tornam este cenário não só viável como até provável.
observador