Jardim Fernandes. O outro ‘Jardim’ que marcou a política madeirense

Figura central da política da Madeira, e uma das vozes mais relevantes do socialismo insular, deixou uma marca de longa duração na consolidação democrática da autonomia madeirense. O seu legado vai além dos cargos que ocupou, tanto no arquipélago como em Lisboa e em Bruxelas. Emanuel Jardim Fernandes foi uma presença marcante em estruturas partidárias, instituições regionais, na Assembleia da República e no Parlamento Europeu. Nas palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, protagonizou «uma notável trajetória política, marcada pelo exercício de funções muito diversas, todas de elevada responsabilidade e relevância».
O sexto de 12 irmãos, nascido a 21 de janeiro de 1944 na localidade do Seixal, no Porto Moniz, Emanuel Vasconcelos Jardim Fernandes formou-se em Direito e iniciou carreira como advogado, destacando-se, por exemplo, na colaboração com um grupo alemão responsável pela construção de um hotel no Porto Santo, como refere o portal Funchal Notícias. A revolução do 25 de Abril de 1974 abriu-lhe o caminho para a intervenção política numa fase de consolidação da democracia e avanço da autonomia regional.
Logo após a Revolução dos Cravos, abraçou os primórdios do Partido Socialista da Madeira, num cenário difícil, de grande dominância pelo Partido Social-Democrata, que se mantém até à atualidade.
Em 1976, foi eleito deputado da Assembleia Legislativa da Madeira, cargo que exerceu até meados dos anos 1990. Foi, aliás, líder da Federação Regional do PS-Madeira nas décadas de 1980 e 1990, período em que ajudou a consolidar o partido como segunda maior força política na ilha, tornando-se pelo meio uma das figuras mais consensuais do PS na época, sendo muito próximo de figuras como Mário Soares e Manuel Alegre. Foi, inevitavelmente, nesse palco político que se confrontou também com Alberto João Jardim, o outro ‘Jardim’ incontornável da vida política madeirense. Eram rivais de trincheiras opostas, partilhando um apelido que tantas vezes serviu de mote para ironias no comentário político insular.
Pela sua terra natal, foi vereador na Câmara Municipal do Funchal e presidente da Assembleia Municipal do Porto Moniz.
Jardim Fernandes não se limitou, porém, à política regional. Em Lisboa, foi deputado na Assembleia da República por dois mandatos (1983-1985 e 1991-1995), procurando representar os interesses da Madeira em Lisboa e, depois, em Bruxelas. Entre 2004 e 2009 foi eurodeputado, integrando comissões importantes para os setores do transporte, turismo e pescas, áreas-chave para a região.
Além da política, esteve envolvido em projetos empresariais no arquipélago, nomeadamente como gerente da Empresa de Cervejas da Madeira. Também geriu negócios nos Açores e Cabo Verde, refletindo uma dimensão de atuação ligada ao desenvolvimento regional numa escala mais ampla.
A trajetória de Jardim Fernandes valeu-lhe, em 2001, a distinção com a Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, uma das mais altas condecorações nacionais, pelas mãos do então Presidente da República Jorge Sampaio.
O antigo líder do PS-Madeira subiu aos palcos da política num momento decisivo para a autonomia da Madeira, combinando a afirmação regional com o estabelecimento de relações cordiais com Lisboa, quando Portugal dava os primeiros passos num regime democrático.
O falecimento de Jardim Fernandes ocorreu precisamente no ano em que a Madeira celebra 50 anos de autonomia e a sua abrangência é visível pela variedade de reações políticas que foram surgindo à sua morte, da esquerda à direita. Autoridades locais e nacionais expressaram pesar e reconheceram a influência que exerceu no presente e no futuro do arquipélago, incluindo o representante da República, Ireneu Barreto, que o destacou como «distinto advogado e figura unanimemente respeitada da nossa sociedade, permanente defensor dos valores da democracia e da participação cívica».
Jornal Sol