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US Open quis a revolução, mas eles trouxeram a tradição

US Open quis a revolução, mas eles trouxeram a tradição

O Open da Austrália teve Alexander Zverev a falhar novamente um Grand Slam, Roland Garros teve aquela recuperação brutal de Carlos Alcaraz, Wimbledon teve a vingança de Jannik Sinner. A atual temporada de ténis já leva muitos capítulos para contar – mas falta um dos últimos.

O US Open arranca este domingo em Flushing Meadows e Jannik Sinner vai procurar defender o troféu conquistado há um ano contra Taylor Fritz. Fritz que, por seu lado, é um dos bastiões da grande esperança dos Estados Unidos: desde 2003 e Andy Roddick que um norte-americano não vence o Grand Slam que decorre em Nova Iorque e a nova geração de tenistas que também inclui Ben Shelton ou Tommy Paul alimenta a ideia de que nunca estivemos tão perto de ver uma vitória caseira.

The moment of victory! pic.twitter.com/1ePUYDa4B6

— US Open Tennis (@usopen) August 21, 2025

Ainda assim, e apesar de os torneios de singulares ainda não terem começado, o US Open já mexeu e muito na última semana. A organização do Grand Slam norte-americano decidiu reformular o torneio de pares mistos, encurtando-o e puxando-o para a chamada “Fan Week”, apurando os tenistas com melhor ranking, oferecendo wildcards aos mais mediáticos e deixando os especialistas em pares de fora. No fim, reinou a ironia: Sara Errani e Andrea Vavassori, vencedores do US Open no ano passado e os únicos tenistas de pares em competição, derrotaram Casper Ruud e Iga Swiatek na final e revalidaram o título. “Missão cumprida”, disseram.

Carlos Alcaraz e Emma Raducanu eram o par mais mediático em competição, mas foram eliminados logo na primeira ronda

Anadolu via Getty Images

No meio de um mundo que está em constante mudança, o ténis é o porta-estandarte da constância. Entre pequenas alterações nos códigos de conduta dos torneios ou a introdução do “olho de falcão”, o ténis é talvez a modalidade onde a tradição mais tem imperado em contra-ponto com a transformação. No ténis, prefere-se a evolução na continuidade e não necessariamente a revolução para atingir uma continuidade – pelo menos era o que acontecia até agora.

2025, porém, representa um corte com o que era habitual. O quarto e último Grand Slam do ano, o US Open, decidiu alterar o calendário, as regras e o contexto e antecipar o torneio de pares mistos, tornando-o uma espécie de festival de estrelas ainda antes de a competição individual arrancar. Parece confuso, mas é simples: o US Open de singulares masculinos e femininos só começa no domingo, dia 24 de agosto, mas o quadro de pares mistos aconteceu ao longo da semana e terminou ainda na quinta-feira, dia 21 de agosto.

Basicamente, a organização do Grand Slam norte-americano decidiu retirar o torneio de pares mistos das semanas em que decorre o torneio de singulares e torná-lo numa prova mais curta, com menos equipas, menos jogos e ao longo de apenas dois dias, englobando somente oitavos de final, quartos de final, meias-finais e final. Tudo aconteceu na chamada “Fan Week”, a semana que antecede o início do US Open e que tem sido um grande fator de investimento da organização nos últimos anos: no ano passado, mais de 215 mil pessoas compraram bilhetes para os jogos particulares e os pequenos eventos desses dias, um aumento de 37% face a 2023.

2025 representa um corte com o que era habitual. O quarto e último Grand Slam do ano, o US Open, decidiu alterar o calendário, as regras e o contexto e antecipar o torneio de pares mistos, tornando-o uma espécie de festival de estrelas ainda antes de a competição individual arrancar.

Em resumo, o torneio de pares mistos do US Open incluiu um total de 16 equipas, com oito qualificadas automaticamente através do ranking combinado entre os dois tenistas e outras oito a receberem um wildcard. O formato da competição, porém, também foi alterado: todos os jogos decorreram à melhor de três sets, ao contrário dos cinco que imperam num Grand Slam, com cada set a acolher apenas quatro jogos. Não existiram vantagens, os tiebreaks terminaram nos quatro pontos e um tiebreak de dez pontos foi disputado ao invés de um terceiro set. Na final, a única alteração aconteceu nos sets, que puderam acolher seis jogos.

Ora, tendo em conta que oito das equipas apuradas incluem os tenistas com melhor ranking ATP e WTA, as duplas do US Open pareceram tiradas de um qualquer sonho de um fã da modalidade: Elena Rybakina juntou-se a Taylor Fritz, Iga Swiatek jogou com Casper Ruud, Jessica Pegula apareceu ao lado de Jack Draper e Alexander Zverev fez-se acompanhar por Belinda Bencic, sendo que Jannik Sinner ia jogar com Katerina Siniakova antes de desistir devido ao vírus que o fez abandonar a final do Open de Cincinnati.

Sinner quis muito, tentou, mas não deu e acabou por desistir da final do Open de Cincinnati contra Alcaraz

Nos wildcards, a junção de nomes conhecidos prolongou-se: Carlos Alcaraz com Emma Raducanu, Naomi Osaka com Gaël Monfils, Venus Williams com Reilly Opelka e Novak Djokovic com Olga Danilovic. A ideia do US Open passou por trazer atenção, espectadores e investimento para um torneio de pares mistos que é normalmente o parente pobre de um Grand Slam, com bancadas vazias e poucos momentos mediáticos, criando uma ligação de futuro que pode tornar o Grand Slam num verdadeiro evento de três semanas ao invés de apenas duas. Para que isso acontecesse, juntou dinheiro: o prize money dos vencedores do torneio de pares mistos é agora de um milhão de dólares, cinco vezes mais do que até aqui, e cada tenista recebe 50 mil dólares por jogo.

Iga Swiatek e Casper Ruud chegaram à final, mas perderam para os campeões em título

Getty Images

Ora, tal como acontece com todas as mudanças de fundo, no ténis ou em qualquer outra modalidade, o anúncio do US Open gerou opiniões: algumas a favor, outras contra, umas mais viradas para o lado comercial e muitas a apontar para os contornos desportivos. Uma das mais informadas, porém, sublinhou um pormaior que está a alimentar os argumentos das vozes que estão contra – o facto de o Grand Slam norte-americano não ter consultado os tenistas sobre as alterações profundas que iria realizar na competição.

“Fiquei honrada por jogar, acho que vai ser ótimo, divertido, e acho que os fãs vão gostar muito. Ao mesmo tempo, achei que não fizeram bem as coisas. Decidiram mudar o formato e não contaram a ninguém. O que é que sabem? Falaram com os tenistas? Ouviram o que têm a dizer? Acho que se esse feedback tivesse existido talvez a reação a tudo isto não fosse tão agitada. Não é bom quando temos tenistas a dizer que estão chateados porque não podem jogar. Gostava de que tivessem comunicado um bocadinho melhor”, defendeu Jessica Pegula, que integra o Conselho de Tenistas da WTA.

Ao reduzir o número de tenistas integrados no torneio de pares mistos, oferecer 16 lugares aos melhores do ranking individual e distribuir wildcards, o US Open afastou os especialistas em pares. Ou seja, afastou muitos dos melhores do mundo, tenistas que se dedicam quase única e exclusivamente às duplas e que, muitas vezes, têm nessa categoria a grande possibilidade de conquistar um Grand Slam. Kristina Mladenovic, antiga número 1 do ranking de pares e vencedora de seis Grand Slams em dupla, tem sido uma das vozes mais críticas do novo formato.

"Fiquei honrada por jogar, acho que vai ser ótimo, divertido, e acho que os fãs vão gostar muito. Ao mesmo tempo, achei que não fizeram bem as coisas. Decidiram mudar o formato e não contaram a ninguém. O que é que sabem? Falaram com os tenistas? Ouviram o que têm a dizer?"

Jessica Pegula, tenista norte-americana

A tenista francesa de 32 anos defendeu que tem sido “embaraçoso” ouvir os tenistas dizerem que esperam “divertir-se”, como se o torneio de pares não passasse de uma espécie de treino e preparação para o torneio de singulares – sendo que, para muitos atletas que nem sequer terão a oportunidade de jogar, os pares são o Grand Slam propriamente dito. “Um Grand Slam não é preparação nem é divertimento. São anos de sacrifício. Sonhas ganhar um quando és mais novo, mesmo que seja em pares”, começou por dizer, em declarações à CNN.

“Em termos de estratégia comercial é uma ideia brilhante. De um ponto de vista desportivo é problemático, porque toca na essência do ténis. Um Grand Slam é uma competição impregnada de história, tanto em singulares como em pares. Não há problema nenhum em ter um evento destes, mas não lhe chamem um Grand Slam”, acrescentou Kristina Mladenovic.

Ora, de forma natural, o caso mais gritante de ausências devido à mudança de formato seria a dupla vencedora do ano passado: os italianos Sara Errani e Andrea Vavassori nunca conseguiriam qualificar-se através do ranking individual de cada um, mesmo tendo conquistado o US Open há um ano, e apressaram-se a criticar a organização logo em fevereiro e quando tudo foi anunciado.

“Tomar decisões pela lógica do lucro é profundamente errado em algumas situações. Nas últimas semanas recebemos a notícia de que o torneio de pares mistos do US Open vai ser virado do avesso, cancelado e substituído por uma pseudo-exibição focada apenas no entretenimento e no espetáculo”, disseram num comunicado conjunto, acrescentando que as mudanças são “uma injustiça profunda que desrespeita uma categoria inteira de tenistas”. Pouco tempo depois, a organização do US Open decidiu atribuir um wildcard a Sara Errani e Andrea Vavassori, permitindo que defendessem o título conquistado há um ano.

Patrick Mouratoglou, antigo treinador de Serena Williams e Naomi Osaka, mostrou-se a favor da mudança no torneio de pares

NurPhoto via Getty Images

“Também estamos a jogar por todos os tenistas de pares. É importante mostrar que os tenistas de pares são grandes jogadores. O nosso principal objetivo no futuro será mudar a narrativa, porque os jogadores individuais são ótimos em individuais, mas os jogadores de pares são ótimos em pares”, referiu Sara Errani já nos últimos dias. Quis o destino que os dois italianos, amigos muito próximos, conseguissem mesmo mudar a narrativa.

Alcaraz e Raducanu foram eliminados logo nos oitavos de final, assim como Djokovic e Danilovic, Zverev e Bencic e ainda Monfils e Osaka. Nas meias-finais, Casper Ruud e Iga Swiatek afastaram Jack Draper e Jessica Pegula e marcaram encontro com os únicos que já tinham estado naquela posição: Sara Errani e Andrea Vavassori. Os dois italianos superaram Fritz/Rybakina, Rublev/Muchova e Harrison/Collins para chegarem à final da madrugada desta quinta-feira como campeões em título e óbvios favoritos à revalidação.

Revalidação que não fugiu. No brutal Arthur Ashe Stadium que até contou com a presença de Anna Wintour, Errani e Vavassori venceram o primeiro set (6-3), perderam o segundo (5-7) e acabaram por carimbar a vitória no tiebreak que serviu como terceiro set (10-6). No fim, conquistaram o US Open em pares mistos pela segunda vez consecutiva e arrecadaram o prémio de um milhão de dólares que tinha sido construído para as estrelas que nada ganharam.

"Tomar decisões pela lógica do lucro é profundamente errado em algumas situações. Nas últimas semanas recebemos a notícia de que o torneio de pares mistos do US Open vai ser virado do avesso, cancelado e substituído por uma pseudo-exibição focada apenas no entretenimento e no espetáculo"

Sara Errani e Andrea Vavassori, tenistas italianos de pares

“Temos estado numa missão e agora é missão cumprida. Isto foi por todos os tenistas de pares que não puderam disputar este torneio. Mostrámos que os pares são um ótimo produto e que no futuro vamos precisar de mais marketing e visibilidade”, disse Andrea Vavassori. A frase que fez manchetes, porém, veio de uma das vencidas. “Vocês provaram que os jogadores de pares são mais inteligentes taticamente do que os jogadores individuais”, atirou Iga Swiatek, que sozinha ganhou o US Open em 2022.

Mesmo com a aparente vitória da ironia, existiram muitas opiniões a favor da reformulação. Para além dos tenistas envolvidos, que defenderam que preferiram estar a competir e a lutar por um troféu ao invés de estarem a treinar para o torneio de singulares da próxima semana, também Patrick Mouratoglou decidiu apoiar publicamente a mudança de formato do US Open.

“É uma grande ideia. Um dos grandes motivos que leva as pessoas que não são fãs de ténis a ver ténis é querer ver as estrelas competir. E, tradicionalmente, as estrelas não estavam a competir nos pares mistos porque aconteciam durante o torneio e estavam focados nos singulares. Tenho a certeza de que as pessoas vão querer vê-los. Sei que os tenistas de pares não estão contentes porque também queriam jogar e entendo, mas acho que para os espectadores é melhor terem Sinner ou Alcaraz do que jogadores de pares de topo que eles não conhecem. É uma ótima iniciativa”, indicou o treinador francês.

"Temos estado numa missão e agora é missão cumprida. Isto foi por todos os tenistas de pares que não puderam disputar este torneio. Mostrámos que os pares são um ótimo produto e que no futuro vamos precisar de mais marketing e visibilidade"

Andrea Vavassori, depois de reconquistar o US Open ao lado de Sara Errani

Já Mats Wilander, que ganhou em Flushing Meadows em 1988 e atualmente é comentador da Eurosport, teve uma opinião ambígua. “Não é ótimo que alguns tenistas não possam jogar, mas acho que é uma nova ideia e quero ver como é que corre neste primeiro ano. Não posso dizer desde já que tenho sentimentos negativos. Neste momento, acho que é positivo porque podemos ter os melhores jogadores do mundo a querer jogar pares. Claro que não ter os melhores jogadores de pares é terrível para a competição, é um desastre. Mas acho que vai ser interessante, muito entusiasmante. E espero que signifique que no futuro vamos ter 32 equipas e não apenas 16. Para mim, esse seria o próximo passo se este ano for um sucesso”, defendeu o sueco.

Apesar da decisão do US Open, o mais provável é que Open da Austrália, Roland Garros e Wimbledon permaneçam comprometidos com o formato tradicional – até porque não têm o músculo financeiro dos norte-americanos para aumentar o prize money e o prémio por jogo. Ainda assim, é difícil imaginar que os outros três Grand Slams possam ignorar a mudança se esta for um brutal sucesso financeiro, mediático e de popularidade, para além de que já surgiram várias notícias a dar conta de que Masters como Indian Wells, Madrid ou Miami podem também integrar um torneio de pares mistos recheado de estrelas.

Por ser nos Estados Unidos, por ser o único Grand Slam norte-americano e por ser um dos pontos altos do ano no que toca ao desporto no país, o US Open também traz consigo uma questão que se arrasta há mais de duas décadas: quando é que um tenista norte-americano vai voltar a vencer em Flushing Meadows?

A verdade é que, no torneio masculino, é preciso recuar até 2003 para encontrar o último cidadão dos Estados Unidos a conquistar o Grand Slam norte-americano – Andy Roddick, que venceu Juan Carlos Ferrero, seguindo-se agora um jejum de 22 anos sem qualquer triunfo nacional. Andre Agassi perdeu a final para Roger Federer em 2005, o mesmo aconteceu a Roddick em 2006 e foi preciso esperar até 2024 para voltar a ver um norte-americano lutar pelo US Open, já que Taylor Fritz foi derrotado por Jannik Sinner na final do ano passado.

Ben Shelton, que chegou às meias-finais do US Open em 2023, é a grande esperança norte-americana

Anadolu via Getty Images

O fenómeno, curiosamente, não tem repetição na vertente feminina. Coco Gauff ganhou o US Open em 2023, Sloane Stephens tinha vencido em 2017, Serena Williams celebrou três vezes consecutivas entre 2012 e 2014 e já tinha feito o mesmo em 2008. Mas este ano, tal como na temporada passada com Taylor Fritz e nos últimos anos em que o ténis norte-americano cresceu, desenvolveu-se e fortaleceu-se, a esperança nacional numa vitória no masculino voltou a encher-se de força.

E uma das primeiras a alimentar essa expectativa é Lindsay Davenport, norte-americana que conquistou o Grand Slam em casa em 1998. Apesar de atribuir todo o favoritismo a Jannik Sinner e Carlos Alcaraz, vencedores de duas das últimas três edições, lembra que Taylor Fritz, Ben Shelton, Frances Tiafoe e Tommy Paul têm todas as possibilidades de fazer frente ao poderio do italiano e do espanhol.

“É difícil imaginar que alguém que não eles os dois pode ganhar, mas é preciso recordar que o talento norte-americano é fantástico. O Ben Shelton vai aparecer num grande momento. Alguém vai ter de jogar com aquele estilo que pode ser disruptivo e causar surpresas e o Ben é um dos jogadores que melhor conseguem fazer isso”, explicou a antiga tenista à Sports Illustrated.

observador

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