De uma barraca de vegetais a megamercados: como os negócios do Azerbaijão se estabeleceram na Rússia

A forte deterioração das relações entre o Azerbaijão e a Rússia, causada pelas prisões de cidadãos de ambos os países, já levou a apelos para "expulsar todos" e "retirar tudo", em ambos os lados da fronteira. Quais os riscos que grandes e pequenas empresas enfrentam? Veja o material da "NI".
Uma guerra midiática é uma guerra, mas a entrega matinal de mercadorias do megamercado "Foodcity" para uma loja em um vilarejo perto de Moscou está dentro do cronograma. De um "Lada Kalina" carregado até o teto, eles retiram bandejas com as cerejas mais frescas, morangos, sacos de 40 quilos de batatas novas...
— Como vai, Alik? Estão te incomodando? — pergunto ao dono da loja de 40 anos, insinuando as dificuldades dos últimos dias.
- Tudo bem, irmão. Já foi pior...
Nos tornamos "irmãos" há cerca de 15 anos, quando Alik e seu parente abriram sua primeira barraca em nossa aldeia. Durante todo esse tempo, seu negócio cresceu aos poucos, aumentando sua variedade, o número de funcionários e o espaço de varejo. E o que é característico: Alik nunca foi monopolista em nossa aldeia. De vez em quando, concorrentes russos, uzbeques, daguestãos abriam... Mas, por algum motivo, eles não funcionavam por muito tempo.
Nem mesmo três supermercados de rede que abriram no bairro conseguiram superar os negócios de Alik. Nem o caro Miratorg nem o econômico Dixy e Verny conseguiram conquistar clientes da loja azerbaijana. E isso apesar dos preços serem definitivamente altos e os descontos serem exclusivamente pessoais.
Entregas diárias de frutas e verduras garantem a qualidade dos produtos. Foto: newizv.ru



Por que o endro dos "networkers" não tem cheiro e, via de regra, já está murcho? Por que as laranjas são enrugadas, as cerejas não são doces e os pepinos geralmente não têm gosto, enquanto a qualidade dos produtos dos azerbaijanos é sempre boa?
Além disso, Alik e seus companheiros também darão conselhos úteis para clientes antigos e regulares. Por exemplo, não levem estes damascos se não planejam comê-los hoje. Ou venham amanhã para um salmão levemente salgado, quando outro Alik o salgará hoje à noite. E, claro, se não tiverem dinheiro agora, podem pagar quando for conveniente. Não gostaram do sabor do produto? Nós o substituímos ou reembolsamos o dinheiro! Pegaram demais? Depois, levamos até o carro e desejamos uma boa viagem...



Conhecimento de russo, polidez e um sorriso, que você jamais encontrará em lojas de rede, são garantidos pela organização do negócio, que é essencialmente uma empresa familiar. Todos os dez funcionários da loja são parentes e vêm da mesma vila no Azerbaijão. E isso facilita a realocação de funcionários novos e jovens. Camaradas seniores oferecem moradia na Rússia, legalização e proteção contra invasões das forças de segurança. Em troca, você trabalha, sem contar horas e fins de semana, pois a loja abre diariamente das 9h até o último cliente. Esta é uma vantagem competitiva que não pode ser obtida contratando estranhos que trabalham de acordo com as normas do Código Trabalhista Russo.
No entanto, não há nada de incomum nesse esquema. É assim que centenas de milhares de chineses e coreanos se estabelecem nos EUA, onde novos imigrantes são "puxados para a sociedade" pelas diásporas orientais. Ao mesmo tempo, as condições de vida para os recém-chegados podem ser muito, muito duras. Há 30 anos, o autor destas linhas viu com os próprios olhos coreanos em uma gráfica em Washington que, trabalhando 16 horas por dia sem folga, literalmente dormiam sob as máquinas de impressão.
É verdade que poucas pessoas se importam com as condições de vida dos migrantes do Azerbaijão, e eles próprios não reclamam. Mas, na consciência pública, existe um mito sobre a "expansão" de três milhões de azerbaijanos no mercado de trabalho da Federação Russa.
"Isso não corresponde à realidade e às estatísticas básicas", disse o cientista político e publicitário, ex-correspondente do Izvestia na França, Elmar Guseinov, em entrevista à NI. "Segundo as estatísticas, no início de 2025, o número de cidadãos azerbaijanos na Rússia era estimado em 331.727 pessoas. Segundo o Ministério do Interior russo, 122.568 deles estavam registrados para fins migratórios."
Segundo Elmar Huseynov, há 474.576 cidadãos de nacionalidade azerbaijana registrados na Federação Russa. Este grupo étnico ocupa o 18º lugar em termos de população no país, representando 0,32% do total de residentes. Portanto, não há necessidade de falar em três milhões de expatriados.
— Em geral, é estranho quando um negócio de cidadãos russos de nacionalidade azerbaijana é chamado de "azerbaijano", — esclarece Elmar Guseinov. — O negócio é registrado na Rússia, é conduzido de acordo com as leis russas, os impostos também são pagos na Rússia e em rublos. Em que ponto ele se torna subitamente etnicamente colorido?
Chega a ser ridículo. Isso acontece quando o trabalho da maior petrolífera russa, a Lukoil, e os ativos do homem mais rico do país, Vagit Alekperov (com um patrimônio estimado em cerca de US$ 28 bilhões - Ed.), são incluídos nos "negócios do Azerbaijão". Guseinov lembra que Baku não possui ações da Lukoil, e o cidadão soviético Alekperov (aliás, russo por parte de mãe) trabalha exclusivamente na Federação Russa desde 1979.
A propósito, acrescenta Guseinov, o volume de transferências de dinheiro de indivíduos da Rússia para o Azerbaijão não indica de forma alguma a prosperidade dos azerbaijanos às custas dos russos.
As transferências da Rússia para o Azerbaijão caíram mais da metade no primeiro semestre de 2024 — de US$ 608 milhões para US$ 287,1 milhões, segundo dados do Banco Central do Azerbaijão. A participação das transferências da Rússia para o país representa 50% do mercado e, em meados de 2023, era de 68,2%. De acordo com os resultados do primeiro semestre de 2024, os cinco principais países em termos de transferências de dinheiro para o Azerbaijão, além da Rússia, foram: Turquia — US$ 82,3 milhões, Estados Unidos — US$ 30,5 milhões, Geórgia — US$ 17,4 milhões e Reino Unido — US$ 16,1 milhões.
O economista Vugar Bayramov diz que Entre os países da CEI, o Azerbaijão é o menos dependente de remessas do exterior.
Portanto, não devemos esperar que isso tenha um impacto sério na economia do Azerbaijão. É claro que é desejável para nós que os azerbaijanos que vivem na Rússia recebam mais renda e enviem mais fundos. Porque esse dinheiro vai para suas famílias e, em alguns casos, são feitos investimentos. Mas a realidade é que as sanções contra a Rússia afetam o montante de fundos enviados de lá", disse V. Bayramov.
Os russos azerbaijanos não são de forma alguma inimigos das autoridades russas. Foto: 1MI
Acontece que a Federação Russa está longe de ser a primeira no volume de comércio exterior do Azerbaijão, que atingiu US$ 4,8 bilhões em 2024, apresentando um crescimento de 10,1%. Itália e Turquia estão no topo da lista de parceiros de Baku.
Ao mesmo tempo, a exportação de produtos azerbaijanos para a Rússia totalizou apenas US$ 1,178 bilhão, o que corresponde a 4,4% do volume total exportado. No entanto, em caso de boicote ou restrições à exportação, os produtores de hortaliças e frutas com negócios voltados para a Federação Russa serão os mais prejudicados.
Mais de 1,8 mil empresas com capital russo estão registradas no Azerbaijão. Entre os grandes fabricantes, empresas e bancos nacionais que operam na república, destacam-se Gazprom, Lukoil, VTB Bank e AvtoVAZ. Projetos para a produção e montagem de caminhões KamAZ e Ural estão sendo implementados no Azerbaijão. Em 2021, foi inaugurada uma fábrica para a montagem de veículos Gazelle.
Desde 1997, o Azerbaijão transporta petróleo em trânsito para a Europa através da Federação Russa através do oleoduto Baku-Novorossiysk. A operadora do trecho russo deste oleoduto é a Transneft. Em 2020, uma subsidiária da Socar, do Azerbaijão, entrou pela primeira vez no top 20 dos maiores compradores de petróleo russo, comprando 2,2 milhões de toneladas no valor de um bilhão de dólares.
Especialistas dizem que a interrupção dos laços comerciais e de produção afetará duramente ambos os países.
Moscou precisa de mercados atacadistas tanto quanto de aeroportos e shoppings. Foto: 1MI
A Cidade da Comida vista de cima. Foto: 1MI
A lista dos 200 empreendedores mais ricos da Rússia, segundo a Forbes para 2025, incluiu pessoas do Azerbaijão: Presidente do Conselho de Administração da Kievskaya Ploshchad God Nisanov (41º lugar, US$ 3,4 bilhões), Presidente do Conselho de Administração da Ploshchad Evropy (39º lugar, US$ 3,4 bilhões), e o investidor Farkhad Akhmedov (84º lugar, US$ 1,6 bilhão). Na classificação de rentistas para 2024, segundo a Forbes, o Crocus Group Araza Agalarova ficou em sétimo lugar, com uma renda de aluguel de US$ 255 milhões.
Os principais ativos dos negócios do Azerbaijão na Rússia são dois mercados bem conhecidos: “Sadovod” e “Foodcity”.
Não é por acaso que o império do mercado cresceu mesmo quando o prefeito da capital declarou guerra aos mercados e começou a fechá-los pelos motivos mais insignificantes. Os azerbaijanos são donos dos mercados "Sadovod", "Foodcity", "Yuzhnye Vorota", "Velozavodsky", "Prazhsky", "Moskva" em Lyublino e do mercado "Levy Bereg" em Khimki. Após a construção do "Foodcity", Sergei Sobyanin anunciou que haveria pelo menos mais três mercados desse tipo em Moscou.
No ano passado, soube-se que uma grande área comercial estava planejada para ser inaugurada em Zhulebino, perto da Ryazansky Prospekt. De acordo com informações do portal PRO Bankruptcy, a proprietária do novo mercado de alimentos provavelmente será a empresa Kyiv Ploshad, que já adquiriu um terreno de cerca de 50 mil metros quadrados, avaliado em 1,7 bilhão de rublos. Atualmente, existem dois grandes shopping centers neste território: Drive e Scarab.
Quanto ao conflito entre Moscou e Baku após as prisões escandalosas, não é fato que a situação possa prejudicar os famosos oligarcas, observa o especialista, que decidiu permanecer anônimo.
“É possível que os mesmos empresários que mantêm excelentes relações com a família de Aliyev e sua esposa atuem como pacificadores nas relações entre os dois países”, disse o especialista. “Afinal, quaisquer contradições se resolvem mais cedo ou mais tarde, e os interesses de ambos os países permanecem.”
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