Arte e IA: quem é o autor ao criar uma máquina?

De imagens virais à voz de Darth Vader em um videogame, a IA está revolucionando a criação artística. Isso desencadeou uma batalha jurídica e ética global: se uma máquina cria, isso é arte? E, mais importante, quem é o dono dela?
O caso que muda tudo: Justiça vs. IA
A inteligência artificial (IA) deixou de ser uma promessa futurista e se tornou uma força disruptiva no presente, especialmente no campo da criação artística. Ferramentas como Midjourney e DALL-E 3 permitem que qualquer usuário gere imagens complexas com comandos de texto simples, enquanto outras plataformas permitem compor músicas ou escrever roteiros. Essa revolução desencadeou uma batalha jurídica e filosófica fundamental: quando uma máquina cria uma obra, quem detém os direitos autorais?
Uma decisão judicial recente nos Estados Unidos estabeleceu um precedente fundamental. Um juiz federal do Distrito de Columbia decidiu que obras de arte geradas exclusivamente por IA, sem intervenção humana significativa, não podem ser protegidas por direitos autorais. O caso foi movido pelo empreendedor Stephen Thaler, que tentou registrar uma obra criada por seu sistema de IA, argumentando que a máquina deveria ser reconhecida como autora. O tribunal reafirmou que "a autoria humana é um requisito fundamental" para a proteção de direitos autorais.
Este veredito alinha-se com a posição do Escritório de Direitos Autorais dos EUA e com uma decisão semelhante no México, onde o Tribunal Federal de Justiça Fiscal e Administrativa negou o registro de obras da plataforma "Leonardo", argumentando que os algoritmos carecem da "sensibilidade artística e originalidade" inerentes a um criador humano. No entanto, na China, um tribunal da internet decidiu a favor de um autor que utilizou IA para gerar uma imagem, reconhecendo-o como autor devido ao seu "papel direto na modelagem" do modelo, estabelecendo que a IA atuou como uma ferramenta avançada, não como um criador autônomo. Essas decisões contraditórias demonstram globalmente que o debate jurídico está longe de ser resolvido.
Vantagens vs. Desvantagens: ferramenta ou substituição?
O debate sobre IA na arte se polariza em duas visões opostas. Por um lado, seus defensores a veem como uma ferramenta revolucionária que democratiza e aprimora a criatividade humana. A IA pode otimizar processos técnicos tediosos, como edição ou correção de cores, liberando os artistas para se concentrarem nos aspectos conceituais de suas obras. Além disso, oferece uma fonte quase inesgotável de inspiração, permitindo-lhes explorar estilos e combinações antes impensáveis.
Por outro lado, seus detratores alertam para sérios riscos éticos e profissionais. Uma das principais críticas é a falta de originalidade, visto que os trabalhos de IA se baseiam na análise e recombinação de milhões de dados preexistentes e obras humanas. Isso nos leva ao problema mais espinhoso: o treinamento de modelos de IA. Esses sistemas frequentemente "alimentam" obras de artistas do mundo todo sem seu consentimento ou remuneração, levantando graves violações de direitos autorais e uma questão ética fundamental. Além disso, há uma preocupação legítima com a desvalorização do trabalho artístico e a potencial perda de empregos para criadores humanos.
Hollywood e videogames na encruzilhada da IA
A indústria do entretenimento já utiliza a IA de maneiras que impactam diretamente o público, embora muitas vezes de forma invisível. Em Hollywood, os estúdios a utilizam para cortar custos, como a geração digital de exércitos de milhares de soldados sem figurantes, ou para tarefas de pós-produção. Essa prática foi um ponto focal em greves recentes de atores e roteiristas, que temem que a IA seja usada para replicar sua imagem ou substituir seu trabalho sem uma compensação justa.
No mundo dos videogames, a polêmica surgiu recentemente em torno do jogo "Fortnite". Em uma atualização, o personagem Darth Vader foi apresentado com uma voz gerada por IA que podia interagir em tempo real com os jogadores. A situação se tornou controversa quando a IA de Vader fez comentários críticos sobre as sequências da Disney, declarando-as "filmes infantis inúteis" e que ele não tinha medo de "agendas corporativas". Esse incidente demonstrou o potencial imprevisível e os riscos do uso de IA para replicar personagens icônicos, gerando um debate sobre controle criativo e propriedade da personalidade digital.
A pergunta de um milhão de dólares: uma máquina pode ser criativa?
Em última análise, o surgimento da IA nos obriga a redefinir o que queremos dizer com "criatividade". Especialistas como o cineasta Coronel argumentam que, embora uma máquina possa simular a criatividade por meio da correspondência de padrões, ela carece dos elementos que definem a criação humana: experiências, emoções, intenções e contexto. Uma máquina emula, não sente.
A arte, em sua essência, é uma forma de expressão íntima, uma ponte emocional entre o criador e o público. A IA pode gerar resultados visualmente impressionantes, mas sem a experiência humana por trás, ela pode realmente ser considerada arte?
O futuro provavelmente não será uma batalha entre humanos e máquinas, mas sim uma era de "criatividade colaborativa", onde a IA funciona como uma extensão da visão do artista. No entanto, para que essa colaboração seja ética e sustentável, é urgente estabelecer regulamentações claras que protejam os direitos dos criadores originais e garantam que a tecnologia sirva para aprimorar a criatividade humana, e não para substituí-la.
La Verdad Yucatán