A jornada do BRICS continua

por Mario Lettieri e Paolo Raimondi * –
A recente cúpula de chanceleres dos BRICS (os países-membros agora são 10) manteve sua linha estratégica apesar das ameaças e provocações feitas nos primeiros cem dias do governo de Donald Trump. De fato, as questões abordadas no Rio de Janeiro foram a cooperação multilateral para a paz e o desenvolvimento, a reforma das instituições internacionais para uma governança mais inclusiva e o papel do Sul Global no fortalecimento do multilateralismo. Representantes dos estados parceiros (Bielorrússia, Bolívia, Cuba, Cazaquistão, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão) também participaram da reunião. O documento final foi redigido, mas não apresentado em conjunto devido a uma avaliação diferente dos membros africanos em relação à reforma do Conselho de Segurança da ONU. O texto pede que a Índia e o Brasil sejam admitidos, deixando a África de fora por enquanto. O documento afirma explicitamente que é inaceitável dificultar a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) e pede a manutenção do órgão de solução de controvérsias. Em vez disso, em uma de suas muitas declarações, Trump pediu sua eliminação. Em qualquer caso, a resolução apoia totalmente as diretrizes discutidas anteriormente pelos ministros das finanças e presidentes dos bancos centrais do BRICS para a criação de sistemas de pagamento independentes, incluindo a criação de um sistema de pagamento transfronteiriço e um sistema eletrônico de depósito e compensação (BRICS Clear). É defendido o uso mais ativo de moedas nacionais no comércio. Vale lembrar que as moedas nacionais representam mais de 65% do comércio entre os países do BRICS, enquanto a participação do dólar caiu para um terço. Em meio à crescente tensão internacional sobre tarifas e as políticas comerciais agressivas de Trump, o texto expressa "séria preocupação" com o aumento de "medidas protecionistas unilaterais injustificadas" que violam as regras da OMC. Em particular, é enfatizado o papel fundamental das Nações Unidas e do multilateralismo no sistema de relações internacionais. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, que coordenou o encontro, lembrou que em 2023 houve 183 conflitos armados no mundo. Ele observou que “representando quase metade da humanidade e uma ampla diversidade geográfica e cultural, os BRICS estão em uma posição única para promover a paz e a estabilidade”. Os BRICS, no entanto, devem evitar se envolver em guerras regionais, como infelizmente acontece entre a Índia e o Paquistão. É claro que tais conflitos prejudicam seu papel de diálogo. Vieira quis destacar a firme rejeição de todos os participantes ao ressurgimento do protecionismo comercial e ao uso de medidas não tarifárias sob pretextos ambientais. Ele explicou que o documento final da reunião foi assinado apenas pela presidência brasileira do BRICS “para dar espaço para negociações cuidadosas e precisas sobre a declaração conjunta que será redigida e publicada em julho, durante a cúpula de chefes de Estado”. Nos mesmos dias da cúpula do Rio, Xi Jinping se encontrou em Xangai com a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, que foi recentemente reeleita chefe do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do BRICS. O presidente chinês chamou o banco de "uma iniciativa pioneira para a unidade e o autoaperfeiçoamento do Sul global. É a primeira instituição multilateral de desenvolvimento iniciada e liderada por mercados emergentes e países em desenvolvimento, e cresceu na última década até se tornar uma força emergente no sistema financeiro internacional e um símbolo da cooperação Sul-Sul". O presidente do NDB disse que o banco já aprovou mais de 120 projetos de investimento, totalizando US$ 40 bilhões, com foco em logística e infraestrutura digital, além de infraestrutura social, como abastecimento de água e saneamento, investimentos em educação, saúde e habitação. 31% dos projetos são implementados nas moedas dos países membros. O NDB também é o maior emissor de Panda Bonds, títulos denominados em moeda chinesa emitidos por instituições não chinesas, que já atingiram um total de 68,5 bilhões de yuans, quase US$ 10 bilhões.
A cúpula do Rio destacou dois aspectos importantes: as ameaças de Trump contra os BRICS não tiveram nenhum efeito intimidador, não retardaram o trabalho do grupo e, ao mesmo tempo, os BRICS demonstraram grande responsabilidade ao evitar um confronto direto sobre tarifas com a Administração Americana. A jornada do BRICS continua!
* Mario Lettieri, ex-deputado e subsecretário da Economia; Paolo Raimondi, economista e professor universitário.
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