Por que Trump está mirando o Pix?

A investigação comercial contra o Brasil aberta na terça-feira 15 pelo governo dos Estados Unidos, sob ordem do presidente Donald Trump, mira diversas práticas que a Casa Branca descreveu como potencialmente “desleais”: obrigações e multas contra redes sociais americanas, acordos comerciais brasileiros com o México e a Índia e tarifas aplicadas sobre o etanol, entre outras.
No entanto, nenhuma delas teve tanta repercussão entre os brasileiros como a menção a uma suposta prática injusta com “meios de pagamentos eletrônicos criados pelo governo” – o Pix.
A investigação foi aberta sob a seção 301 da legislação de comércio norte-americana, que abrange “atos, políticas ou práticas de um país estrangeiro que são desarrazoadas ou discriminatórias e prejudicam ou restringem o comércio dos EUA”.
O relatório da agência federal responsável por comércio internacional dos EUA (USTR, na sigla em inglês) afirma que esses meios de pagamento poderiam prejudicar “a competitividade de empresas americanas que atuam no comércio digital e em serviços de pagamento eletrônico”.
Disputa por mercadoAté o momento, a USTR não especificou por que um meio de pagamento eletrônico criado pelo governo brasileiro poderia ser uma prática injusta contra os EUA.
Desde que foi lançado, o Pix abocanhou parcela considerável de um mercado dominado por bandeiras de cartão de crédito ou débito, como a Mastercard e a Visa, ambas sediadas nos EUA, e por sistemas de pagamento eletrônico como Google Pay e Apple Pay, também americanos.
No entanto, segundo análises publicadas na mídia brasileira, uma delas na coluna de Mariana Barbosa no portal UOL, o principal motivo para a inclusão do Pix na investigação americana teria envolvido questões relacionadas ao WhatsApp Pay, de propriedade da Meta, comandada pelo bilionário americano Mark Zuckerberg, que se aproximou da Casa Branca após a volta de Trump ao poder.
O WhatsApp Pay foi lançado inicialmente no Brasil em junho de 2020 – o primeiro país do mundo a receber o serviço – para permitir transferências e pagamento de compras pelo WhatsApp, o aplicativo de mensagens mais difundido entre os brasileiros.
As transferências de dinheiro entre usuários eram gratuitas, mas as operações de compra de produtos envolviam uma tarifa de 3,99% do valor, cobrada do comerciante.
Suspensão do WhatsApp PayNa semana seguinte ao lançamento do sistema da Meta, contudo, o Banco Central – que estava na fase final de desenvolvimento do Pix – e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) determinaram a suspensão do WhatsApp Pay no Brasil.
O Banco Central afirmou à época que o objetivo era “preservar um adequado ambiente competitivo, que assegure o funcionamento de um sistema de pagamentos interoperável, rápido, seguro, transparente, aberto e barato” e que “o eventual início ou continuidade das operações sem a prévia análise do regulador poderia gerar danos irreparáveis ao SPB notadamente no que se refere à competição, eficiência e privacidade de dados”.
Já o Cade apontou que a Cielo, que faria a operação técnica das transações via WhatsApp Pay, poderia reforçar ainda mais sua posição de mercado e oferecer riscos à concorrência. “Tal base seria de difícil criação ou replicação por concorrentes da Cielo, sobretudo se o acordo em apuração envolver exclusividade entre elas”, afirmou.
O Pix acabou sendo lançado em novembro de 2020, cinco meses após a suspensão do WhatsApp, e rapidamente se tornou um dos meios de pagamento favoritos dos brasileiros, sem envolver o pagamento de taxas.
Segundo o Banco Central, no final de 2024, 76,4% dos brasileiros utilizavam o sistema, que se tornou o meio de pagamento mais usado no país.
O WhatsApp Pay, por sua vez, foi autorizado e começou a fazer transações financeiras apenas em março de 2021 – quando o Pix já havia ganhado a preferência dos brasileiros.
Uma das dúvidas que podem ser suscitadas na investigação americana é se o Banco Central brasileiro teria usado seu poder indevidamente para prejudicar uma plataforma privada que seria concorrente ao Pix.
A USTR abriu nesta quinta-feira o prazo para o recebimento de comentários sobre a investigação contra o Brasil, e uma audiência pública está prevista para o dia 3 de setembro, em Washington.
Governo brasileiro rebate investigaçãoEm publicação nas redes sociais na quarta-feira, o perfil oficial do Palácio do Planalto defendeu o Pix.
“O Pix é do Brasil e dos brasileiros. Parece que nosso Pix vem causando um ciúme danado lá fora, viu? Tem até carta reclamando da existência do nosso sistema Seguro, Sigiloso e Sem taxas”, escreveu o governo brasileiro na publicação.
“Só que o Brasil é o quê? Soberano. E tem muito orgulho dos mais de 175 milhões de usuários do Pix, que já é o meio de pagamento mais utilizado pelos brasileiros”, completou, endossando o discurso favorável à soberania do país repetido por Lula após Trump taxar produtos brasileiros em 50%.
O vice-presidente Geraldo Alckmin, que tem sido escalado por Lula para liderar as negociações com a Casa Branca, também defendeu o Pix em reunião com empresários nesta quarta-feira.
A jornalistas, Alckmin disse que o sistema de pagamentos é um “sucesso” e que o Brasil irá explicar ponto a ponto os questionamentos elencados na investigação comercial dos EUA.
CartaCapital