Selecione o idioma

Portuguese

Down Icon

Selecione o país

Portugal

Down Icon

Portugal nestes tempos da imigração

Portugal nestes tempos da imigração

José Manuel Fernandes, publisher do Observador, foi distinguido com o Prémio Aboim Sande Lemos – Identidade Portuguesa relativo a 2024, tendo a cerimónia de entrega decorrido no passado dia 23 de maio. Instituído em 1987, trata-se do mais alto galardão atribuído pela Sociedade Histórica da Independência de Portugal, tendo distinguido nos anos mais recentes figuras como a maestrina Joana Carneiro, os historiadores Jaime Nogueira Pinto e Rui Ramos, o ator Ruy de Carvalho, o antigo ministro da Educação Nuno Crato, o empresário Luís Portela ou a cientista Maria do Carmo Fonseca. Eis o essencial da intervenção em que José Manuel Fernandes agradeceu o prémio:

É com enorme honra – e também com um grande sentido de humildade – que recebo este prémio. Honra por este prémio ser atribuído por uma instituição tão antiga e com um tão meritório trabalho como a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, e também humildade pois sou apenas um jornalista e se algum esforço posso ter feito ao longo de quase 50 anos de profissão foi o de procurar informar com verdade e, ao mesmo tempo, com sentido crítico e sentido de propósito.

José Manuel Fernandes após receber o prémio José Manuel Fernandes com os membros do júri que atribuiu o prémio, José Ribeiro e Castro (presidente do júri e da Sociedade Histórica), Maria Sande Lemos Cunha e Sá (representante da família Aboim Sande Lemos) e Tenente-Geral Alexandre de Sousa Pinto (presidente da mesa da AG da Sociedade Histórica)

Quero talvez por isso começar por uma evocação pessoal, por recordar a importância que tem nas minhas memórias pessoais esta zona de Lisboa.

Nasci nesta cidade, os meus dois pais também eram nascidos em Lisboa, sou aquilo a que tradicionalmente se chama um “alfacinha”, uma condição relativamente rara na minha geração, uma condição ainda bastante rara numa cidade que nunca deixou de ser um polo de atração e um lugar de esperança para tantos que a ela foram chegando ao longo dos séculos.

Vieram em muitas vagas e muitos tempos. Portugueses vindos do mundo rural, portugueses regressados de África, muitos galegos, imensos africanos dos PALOP, cidadãos da Europa do Leste, brasileiros, mais recentemente migrantes chegados do Indostão.

Os meus avós fizeram parte de uma dessas vagas e foi aqui bem perto que um deles, o meu avô paterno, teve o seu primeiro trabalho, ainda miúdo, ainda conhecendo o que hoje proscrevemos como trabalho infantil. Era marçano de uma venda situada numa rua hoje nas bocas do mundo, a Rua do Benformoso. Teve depois negócios num mercado que já não existe, o mercado da Praça da Figueira, demolido no final de década de 1940, há mais de 75 anos.

Cresci a ouvir contar histórias desse mercado que, se tivesse sobrevivido, seria hoje seguramente uma joia da nossa cidade capital. Quando eu próprio fui miúdo, ainda na escola primária, passava todos os dias pelo largo onde ele estava e onde hoje temos uma estátua de D. João I.

Uma das minhas avós ia buscar-me à escola, a mim e ao meu irmão, e trazia-nos para casa dela, num edifício que também já não existe, um prédio alto mas antigo, com umas escadas escuras que eu subia sempre a medo que ficava no final da Rua da Palma, virado para o enorme vazio que resultara das demolições na Mouraria para abrir aquilo que é hoje a Praça do Martim Moniz.

Muitas vezes parávamos num pequeno café para ela nos comprar uma bola de Berlim, outras vezes atravessávamos a rua para, junto a um Hotel Mundial ainda inacabado, comprarmos em segunda mão livrinhos do Major Alvega ou do Kit Carson, mais raramente entrávamos, pela porta da sacristia, na bela Igreja de São Domingos, e era certo e sabido que então a minha avó nos recordava o susto e o pavor do grande incêndio de 13 de agosto de 1959, que destruiu todo o interior.

Entre a rua da Palma e o largo onde fica este Palácio da Independência, na estreita rua Barros Queirós, ficava o dentista onde pela primeira vez me arrancaram um dente.

Um destes dias voltei a percorrer a pé estas ruas e praças e não surpreenderei ninguém se vos disser que nelas tudo está diferente, muitas vezes para melhor – o velho prédio da minha avó foi substituído por uma construção moderna, o largo do Martim Moniz já não está cheio das construções precárias que durante anos a fio alojaram os lojistas desalojados pelas demolições da Mouraria, o Hotel Mundial foi terminado, a Igreja de São Domingos foi exemplarmente restaurada e neste largo aqui em frente construiu-se um memorial às vítimas judias do massacre de 19 de Abril de 1506, um lugar onde eu já estive em vigílias indispensáveis num tempo em que o antissemitismo volta a ganhar força um pouco por todo o lado.

Mas a maior, a enorme diferença é que o mundo que habita estas ruas, largos e praças já pouco tem a ver com o mundo da minha meninice – e todos sabem porquê.

observador

observador

Notícias semelhantes

Todas as notícias
Animated ArrowAnimated ArrowAnimated Arrow